Um Olhar Actual sobre a “Transformação” do Conde de Lippe
Parte 3
II. A necessidade da transformação
Uma transformação tem a ver com uma mudança sustentada e propositada com o objectivo estratégico de manter uma vantagem competitiva estratégica ou fazer face a uma vantagem apresentada por um novo ou já existente competidor. Uma transformação no âmbito das forças armadas tem a ver com uma mudança militar.
Para Theo Farrell e Terry Terriff uma mudança militar prende-se com uma “mudança de objectivos, estratégias actuais, e/ou a estrutura da organização militar” e que se distinguem de mudanças menores que se prendem com mudanças de métodos e meios (tecnologias e tácticas) que não têm implicações na estrutura e estratégia organizacional.
Os autores esclarecem ainda que é o resultado da mudança que determina o carácter maior ou menor desta. É importante realçar este aspecto porquanto é o produto do processo da mudança que é determinante uma vez que, por si só, a vontade de mudar ainda que definida por uma estratégia clara e bem estruturada, não é condição exclusiva para a sua realização.
Mas o que é que pode levar a uma vontade de se empreender uma mudança militar sustentada?
Farrell e Terriff consideram três as fontes para a mudança militar: as normas culturais, a política e a estratégia, e novas tecnologias.
As normas culturais são crenças intersubjectivas sobre o mundo social e natural que definem os actores, as situações e as possibilidades de acção. Produzem padrões de comportamento persistente ao tornarem-se institucionalizados nas regras e rotinas de uma comunidade. Uma vez institucionalizadas, as normas são aceites como garantidas ou forçadas por sanções poderosas. Por esta razão, os autores consideram a cultura particularmente útil na explicação do porquê de muitas vezes os militares continuarem a agir de
forma incongruente com as circunstâncias estratégicas e operacionais prevalecentes. A literatura actual sugere a existência de dois processos para se processar uma mudança cultural: primeiro, por um processo de mudança planeada que implica a mobilização de ideias e interesses por detrás de novas formas de identidade e comportamentos adequados.
Este processo implica o uso instrumental da cultura pelas elites políticas e militares; segundo, por um processo de choque face ao sistema cultural vigente de tal forma que mina a legitimidade das normas existentes. Uma versão mais objectiva, se é que é possível, do conceito de cultura militar é aquela que a considera como a soma dos valores intelectuais, profissionais e tradicionais do corpo de oficiais (aqui no sentido de oficiais e sargentos). Tal como refere o mesmo autor, a cultura do corpo de oficiais desempenha um papel crucial em como as forças militares se preparam elas próprias para combate e por isso representam um elemento essencial no sucesso de inovações.
Uma outra fonte para a mudança militar, talvez a mais óbvia, é de natureza estratégica, ou seja, a mudança da ameaça à segurança nacional. Muitos académicos consideram que as pressões estratégicas operam através de processos políticos que moldam a mudança militar, ou seja, requerem imperativos estratégicos e intervenção civil.
A introdução de novas tecnologias como fonte para a mudança militar não é encarada de forma linear por académicos. A sua influência oscila entre a ideia do determinismo tecnológico e o conservadorismo militar. No primeiro, a tecnologia apresenta um papel determinante na forma da mudança militar em contraste com um papel inferior no conservadorismo militar.
Um outro aspecto que importa abordar na questão de transformações na área da defesa diz respeito à forma como se pode operacionalizar. Segundo os mesmos autores, Theo Farrell e Terry Terriff, a mudança militar pode ter três formas de concretização: inovação, adaptação e emulação.
A inovação implica o desenvolvimento de novas tecnologias, tácticas, estratégias e estruturas militares. A adaptação envolve o ajuste de métodos e meios já existentes, mas que num conjunto de ajustes múltiplos pode conduzir à inovação. A emulação, envolve a importação de novas formas de fazer a guerra pela imitação de outras organizações militares.
Se uma transformação visa manter uma vantagem competitiva sobre um adversário, através de inovação, adaptação ou emulação, interessa compreender o que se deve inovar, adaptar ou emular. Parece haver consenso que as transformações têm de incidir sobre a tecnologia, doutrina e organização das instituições para que se possa verificar o salto qualitativo nas capacidades (no sentido do que têm de ser capazes de realizar) dessas organizações face às suas adversárias.
Num contexto de defesa, as quatro componentes de uma capacidade são as “pessoas”, os “processos”, a “organização” e a “tecnologia”, as quais podem ser acrescidas de capacidades adicionais como se tratasse de building blocks. Para o Departamento de Defesa dos Estados Unidos estas componentes correspondem à concepção de doutrina, organização, treino, material, liderança e ensino, pessoal e instalações. A relação de correspondência entre as quatro principais componentes e o acréscimo entendido pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos é:
– Pessoas – Pessoal, liderança e ensino e treino;
– Processos – Doutrina;
– Organização – Organização;
– Tecnologia – Material e instalações.
Para John Garstka trata-se de uma estruturação simples que permite destacar as principais dimensões de uma mudança para as forças militares ao mesmo tempo que dá uma perspectiva pela qual se pode reexaminar o passado e desenvolver estratégias para fazer face a desafios decorrentes da implementação de uma transformação militar.
A importância de cada uma destas componentes no processo de transformação depende, naturalmente, das fontes e formas de operacionalização que deram lugar à transformação.
O importante é destacar que dada a natureza complexa das organizações, e as forças armadas são um paradigma nessa matéria, qualquer transformação acarreta alterações, ainda que em dimensões variadas, em todas as componentes.
A sistematização escolhida para a compreensão do processo de mudança pode ser resumida no quadro seguinte que pretende reflectir as três fases que, de forma interdependente, se podem prolongar no tempo. As fontes como iniciadoras de uma necessidade de transformação, a operacionalização como a forma em que a organização se relaciona com as suas congéneres (de inimigos ou aliados) e a implementação, ou seja, a introdução da mudança nas componentes das capacidades da própria organização.
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