Em 1979/80 encontrava-ma a estudar em Coimbra quando, foi retomada a praxe académica, que a crise de 1969 e o período conturbado do pós 25 de Abril tinham interrompido durante 11 ano. Como estudante e quartoanista (doutor segundo a praxe), vivi a queima das fita desse ano “por dentro”, e como a maioria dos estudantes, e quase toda a população vivi-a com a emoção do retomar da tradição mais profunda de uma cidade. Foram dias (e noites) impossíveis de descrever, e que só pode compreender quem foi estudante naquela cidade, Desde a ”bênção das pastas” à “queima” propriamente dita, tendo dois pontos altos na “serenata monumental” e no “desfile dos doutores”, com alguns “rasganços“ à mistura. A serenata, talvez por se a primeira em onze anos, reuniu milhares de pessoas, tantas que, tendo chegado meia hora antes, apenas arranjei lugar a uns bons cem metros da Sé velha, já
A festa era uma constante, todos os dias, mas principalmente pela noite fora com pequenas serenata em cada esquina, e grupos que se encontravam ao fim de uma hora de não se verem e reagiam como se já sentissem a “saudade” da separação próxima. Cada manhã Coimbra acordava limpa e fresca, e a festa recomeçava, se é que tinha chegado a ser interrompida.
Quis o destino que, no fim-de-semana passado, vinte oito anos depois, estivesse novamente em Coimbra, durante uma queima das fitas.
Logo na sexta era a serenata, e claro, não resisti, saí do quarto de Hotel, na Fernão de Magalhães, para ir ao Quebra Costa ver o ambiente e ouvir uns fados. Sorte, pensei, apesar de faltar um quarto para a meia-noite consegui subir até ao largo da velha Sé, puro engano, azar, ao dar das doze badaladas, vi realmente que os guitarristas começaram a mexer as mãos, pouco depois, um estudante, trajado a rigor, fazia trejeitos como se estivesse a cantar, mas aos meus ouvidos não chegava mais que a algazarra infernal, daqueles que tinham “ido à serenata” mas não queriam “ouvir a serenata”. Voltei a quarto, desencantado com o ambiente, e desiludido por não ter conseguido ouvir nem um fadinho.
No dia seguinte de manhã a desilusão foi ainda maior. Coimbra estava um nojo, havia copos de plásticos vazios ou meios de uma bebida qualquer, garrafas e mais garrafas, umas partidas outras inteiras, umas vazias outras meias.
Tive pena, não por mim, não pela cidade, mas por eles, por estes jovens que não distinguem a rebeldia e irreverência próprias da idade e que sempre existiram da falta de respeito e de educação impróprias em qualquer idade. Um dia, daqui a vinte oito anos terão saudades de quê? Da “sua”serenata que não ouviram nem deixaram ouvir?
Ou da eterna “cidade dos estudantes” coberta de copos e garrafas?
Restou uma pequena grande serenata, quase em privado, mas onde se conseguia ouvir o fado, e com uma qualidade notável, a que tive oportunidade de assistir, e que terminou com um “rasganço” a lembrar os velhos tempos, para nos fazer crer que ainda resta um pouco da “velha” tradição, guardada por ai, e pronta a ressurgir, como da outra vez, nem que seja ao fim de muitos anos. .
António Venâncio
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