Ando há uns poucos de dias sem vontade alguma de escrever seja o que for e os assuntos também não abundam para poder “dizer mal”.
Assim sendo resolvi, com assunto ou sem assunto, começar a publicar os escritos de Vitorino d’Almada sobre a história de Elvas e não só, que tive a paciência de compilar há uns anos atrás. Irei tentar publicar um todos os dias, no português original. O tamanho da letra terá que forçosamente diminuir, já que alguns só muito grandes, ou então dividirei cada escrito em duas ou três partes. Ora aqui vai o primeiro.
APONTAMENTOS PARA A CRÓNICA DA CIDADE DE ELVAS
INTRODUÇÃO
Sabe-se pouco da história de Elvas geralmente. O povo, que devia transmitir as tradições de seus Maiores ás gerações que lhe sucediam, descuidado no oficio das armas, ou ocupado na cultura dos campos, não curou de fazê-lo, legando apenas, por excepção, aos nossos contemporâneos, uma remota ideia da entrada dos cristãos na Elvas árabe, duma das empresas de Gil Fernandes, e do cerco de 1658.
Nós que escrevemos estas linhas desejamos saber mais alguma coisa, que o pouco que se conservara na memória do povo; mas por muito tempo ignorámos a que porta ir bater, que se nos franqueasse sem hesitações.
Estávamos de posse, é certo, duma resenha publicada na Revista Militar, ano 1853, de alguns artigos comunicados pelo falecido professor Manuel Justino Pires, á Estreia Literária, de Coimbra, e dum folheto saído da oficina do Transtagano, historiando os sucessos de 1641.
Isto estava longe de satisfazermos. As velhas crónicas não apareciam no mercado, e ainda quando aparecessem, custariam bom dinheiro; os manuscritos estavam velados como um mistério, em mãos de pessoas, que os estimavam demais para empresta-los a um qualquer, que podia trata-los com menos cuidado, que o que eles mereciam.
E os nossos desejos recresciam com a idade.
Quis então o acaso, que nos encontrasse-mos, no primeiro quartel de 1871, com o velho Francisco de Paula Oliveira, noviço que foi no convento de S. Paulo, e conhecido agora na cidade por frei Catimbarro, um dos homens, que temos conhecido, mais amigo de coleccionar apontamentos sobre as antiguidades de nossa pátria comum, e menos cioso de empresta-los a quem lhos pede com interesse; franqueza esta, que tem ocasionado sumirem-se-lhe alguns, provavelmente para nunca mais lhe serem restituídos.
Anuindo ao nosso pedido, franqueou-nos a pouco e pouco tudo o que tinha, que quase era tudo o que existia de mais interessante sobre o assumpto.
Foi desde então, que começámos a ter noticias seguras e desenvolvidas da antiga e moderna Elvas, porque Francisco de Paula teve desde rapaz a paciência de copiar todas as memórias que lhe chegaram á mão.
É certo, que naqueles manuscritos se embrulham uns com outros séculos, e aparecem em desalinho uns com outros acontecimentos; porque o coleccionador aproveitou por fim os claros das noticias para apontar outras, á falta de papel, e de dinheiro para o comprar; não podemos contudo negar, que este trabalho material nos foi de grande proveito; porquanto, á falta das crónicas, e dos demais livros e documentos originais, ele nos apresentava a copia, ou o extracto, aguçando-nos cada vez mais o gosto de procurar completa-lo com Maior desenvolvimento.
Por este tempo, munidos duma grande cópia de esclarecimentos, começámos a entreter algumas correspondências noticiosas para o Diário Ilustrado, mais com intento de fazer conhecida a historia de Elvas, que vangloriado pelo titulo de colaborador de um jornal daquele importância.
Estas correspondências abriram-nos de par em par os arquivos dos coleccionadores, e assim devemos ao Sr. major Silva Mata, além de alguns outros papéis avulsos, um extracto do Teatro Histórico, que escreveu o cónego Aires Varela, e os Anais de Elvas, metodicamente coligidos por seu pai, de que uma parte saiu na Voz do Alentejo, e a mais interessante ficou inédita; ao falecimento do professor Manuel Justino Pires um livro manuscrito de Afonso da Gama Palha, contendo o dito Teatro Histórico de Varela, e uma memória dos sucessos de guerra da Liga; ao Sr. Miguel Augusto César de Vasconcelos dois volumes escritos por João Eliseu Viegas, vereador e muitos anos escrivão da Câmara; e ao Sr. Caetano José Lobo de Vasconcelos outros dois livros da mesma proveniência: nos quase quatro se transcreviam alguns dos mais curiosos documentos do cartório municipal; a Maior parte porem do seu conteúdo já havia sido copiada deles por Francisco de Paula, e portanto existia em nossa mão.
(continua)
Nota - Se acharem que não interessa, digam.
Jacinto César
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