Estou consciente que aquilo que escrevi pode ser mal interpretado, mas para se fazer uma crítica séria ao que se tem passado, não poderemos deixar de saber os antecedentes e os porquês. Sei que as asneiras que já foram feitas, feitas estão. No entanto não podemos ficar a “chorar” e lamentarmo-nos do que já aconteceu e continuarmos de braços cruzados. Espero que os nossos leitores fiquem conscientes do passado recente. Continuemos com o resto da história.
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3.2 – As primeiras medidas conhecidas e implementadas pelas autoridades locais remontam aos finais da década de setenta, princípios da de oitenta.
A primeira consistia na disponibilização de um terreno, mais ou menos afastado da comunidade urbana, onde seria construídas infra-estruturas que lhes permitissem viver em condições “menos degradantes” – água, luz e esgotos. As construções (barracas) seriam da sua responsabilidade e ao seu gosto. Esta tentativa acabou por sair frustrada, pois, a comunidade cigana não queria ir para tão longe da cidade, ao mesmo tempo que diziam estar a ser ainda mais marginalizados do que já eram. Julgo que a maior parte da população estava de acordo com a medida pois era a maneira “de se verem livres deles” segundo as palavras de testemunhos. Quer isto dizer que a sociedade onde eles se “tentavam” integrar, também não os aceitava muito bem. Iam-nos suportando com mais ou menos conflitos, recorrendo constantemente à GNR e PSP. Houve alturas em que os conflitos se agudizaram tanto que a maior parte da comunidade abandonou a cidade. Por altura das feiras e a pretexto das vendas, acabavam por, aos poucos e poucos, se instalarem novamente. A comunidade foi aumentando progressivamente.
A anterior situação manteve-se até nova tentativa de integração ocorrida nos anos subsequentes ao 25 de Abril e promovida mais uma vez pela autarquia. A intervenção não foi total pois esta limitou-se a iniciativas um tanto ou quanto camufladas e a gerir um assunto que não lhe pertencia. Expliquemo-nos melhor. Dada a necessidade premente e urgente da construção de habitações sociais, o Fundo de Fomento de Habitação promoveu a construção de um bairro de habitações de renda económica (S. Pedro) que, por coincidência, ficou localizado nas proximidades do local onde a comunidade cigana estava instalada. Mais precisamente, havia somente uma rua a separar o novo bairro do aglomerado de tendas e barracas.
Aberto o concurso para a distribuição dos fogos, o Presidente da Câmara sugeriu à referida comunidade que se candidatasse, dado, a extensão do seu agregado familiar e as parcas condições económicas. O grupo acabou por aderir à ideia, sem no entanto ter reflectido sobre as consequências. A Câmara por sua vez, rejubilou com a hipótese de se ver livre das barracas. Puro engano, como veremos mais à frente.
Quando foram feitas as atribuições verificou-se que na realidade 12 moradias geminadas de r/c e 1º andar foram entregues a famílias ciganas, sendo a localização delas precisamente em frente ao local onde tinham situadas as barracas onde anteriormente viviam.
3.3 – A primeira consequência visível e contra todas as expectativas da autarquia, foi não só a não demolição das anteriores barracas como a sua reocupação por outras famílias que entretanto vieram para Elvas.
Decorrente das entrevistas feitas, constatou-se que as expectativas criadas com a atribuição das novas casas não foram ao encontro das suas necessidades culturais, isto é, a sua compartimentação não de adequava aos usos e costumes dos ciganos. A estrutura das habitações foi concebida de forma estandardizada, e não teve em conta os hábitos da família cigana que necessita de uma sala muito ampla com lareira (leia-se fogueira) – ponto de reunião e convívio - , uma divisão destinada aos animais e um armazém para as mercadorias que comercializam.
De toda esta inadequação surgiram os comportamentos mais inesperados:
- as barracas que deveriam ter sido demolidas não o foram, chamando a si novas famílias, o que teve como consequência imediata o aumento da comunidade cigana na cidade;
- as famílias que ocuparam as casas, devido à sua inadequação, construíram novas barracas junto das anteriores, o que fez que o número destas tivesse aumentado bastante;
- a utilização das diferentes divisões foi totalmente alterada assistindo-se a: casas de banho transformadas em cavalariças, banheiras deslocadas para os quintais transformando-as em canteiros, demolição de paredes para tornar mais amplas as divisões, falta de pagamento das rendas, etc.
E porquê então tudo isto? Será que algum dia a comunidade cigana se adaptará a uma construção fixa, dada a sua natureza errante? Será que o seu espírito tribal lhes permite uma inserção numa comunidade diferente da sua?
Estas questões só terão resposta se os ciganos forem capazes de uma aculturação de modo a alterar, embora lentamente, alguns dos seus hábitos, sem desprezar a sua identidade cultural.
Por outro lado, deve haver também da parte da sociedade global uma tentativa de facilitar essa integração.
Há ainda a responsabilidade das autoridades. Estas, dados casos idênticos em vários pontos do país, deveriam actuar com mais cuidado, recorrendo a assistentes sociais para os ajudar nessa tarefa nada fácil.
4 – Há um ditado popular que diz que se “é morto por não ter cão e morto por o não ter”. E é bem verdade! Isto vem a respeito da integração ou não dos ciganos na sociedade. Como se pôde verificar, por um lado, eles mais dia menos dia, acabarão por se integrar, só que é um processo que pode durar gerações. É um processo lento mas natural. Por outro lado, essa integração pode ser “ajudada” pelas autoridades. É bem verdade que, quando estas tentaram resolver o problema, não consultaram nenhum especialista na matéria nem tão pouco auscultaram as reais necessidades da dita comunidade. Indiscutível!
Mas pergunta-se: será que, se todo o processo tivesse sido feito obedecendo a todas as regras, teria resultado?
Será que a própria comunidade usa o facto de não terem sido consultados como subterfúgio para justificar as dificuldades que sentem na integração?
Será que eles próprios “querem” uma coisa que o próprio instinto bloqueia?
Para mim tudo se torna muito difícil de entender e por vezes contraditório. Nem a comunidade e nem as autoridades parecem com vontade de alterar alguma coisa. Todos se acomodam, e em caso de conflito acabam por empurrar as culpas para os ouros.
E assim se vai perpetuando uma situação que se não é caricata, pelo menos é de difícil “digestão” para muita gente.
Este foi o resumo que melhor consegui fazer do trabalho que produzi em 1995. Penso que resume bem o que foi a comunidade cigana até então. E o que se passa agora? O que é que se alterou desde então? O que é que se fez para alterar as asneiras que se cometeram? Não será que para combater um problema se arranjaram problemas ainda maiores? O que é que se pode fazer?
Amanhã analisaremos estes e outros aspectos.
Jacinto César
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