Um Olhar Actual sobre a “Transformação” do Conde de Lippe
Parte 5
IV. A transformação
A guerra tinha feito considerar o Conde de Oeiras sobre o valor de um bom exército e a necessidade da sua eficiência para afirmar perante outras potências a existência real da nação. Por isso, terminada a campanha de 1762, o Conde de Oeiras não quis descurar o problema militar e, protelando a partida do Conde de Lippe, desejoso de regressar a casa, aproveitou a sua permanência para dotar o exército de uma nova organização e de regulamentação adequada a consolidar a disciplina das tropas e a promover a sua instrução.
As normas culturais constituíram a fonte para a continuação da mudança. A permanência do comando do exército na pessoa do Conde de Lippe, coadjuvado por uma vasta panóplia de oficiais estrangeiros, indicia que a operacionalização da mudança se processou por emulação da organização militar que Lippe personalizava. Naturalmente, essa emulação verificou-se em todas as componentes: pessoas, processos, organização e tecnologia.
De seguida analisou-se de forma sucinta, a implementação em cada uma destas componentes durante o período de tempo em que o Conde de Lippe permaneceu em Portugal e por isso capaz de, pessoalmente, zelar pela implementação, supervisão e consequentes correcções.
IV.1 Pessoas
Como referido na secção II, a componente “pessoas” diz respeito ao pessoal (em tudo o que lhe diz respeito administrativamente: recrutamento, sustentação, disciplina, etc.), liderança, ensino e treino.
Pessoal. Regionalização do recrutamento.
Justiça. A manutenção da disciplina nas fileiras constituiu uma das principais preocupações de Lippe, por isso a justiça foi matéria publicada. Foi introduzido, pela primeira vez o conceito de foro material, então generalizado na Europa. Segundo este conceito que é oposto ao foro pessoal, é a natureza do crime e não a qualidade do seu agente que determina se este fica ou não sob a alçada da Justiça Militar. Mas o novo código penal também surpreendia pela violência das penas.
Liderança. Também ao nível das promoções dos oficiais existiram modificações substanciais: a introdução do princípio prussiano da antiguidade, como fundamento e regra da promoção. De forma inequívoca “o Conde de Lippe acaba definitivamente com as promoções de favor passando estas a fazerem-se exclusivamente por critérios de competência de mérito [...], o regulamento reforça a ideia cara ao Conde de que se deveriam lembrar de ter em atenção que os oficiais seriam avaliados pela forma como “exerciam o seu cargo”. [...] Passa a ser-se nobre por ser oficial, para dignificação do exército, e deixa de haver oficiais só por serem nobres, norma que constituía um avanço qualitativo enorme à eficiência dos comandos militares”.
Ensino. “Já com a Guerra dos Sete Anos a envolver-nos. A 7 de Março de 1761 é criado o Real Colégio dos Nobres destinado a cem alunos com idades compreendidas entre 7 e 13 anos, que já soubessem ler e escrever e que ali permaneceriam em regime de internato – e alunos que em princípio se destinavam ao exército e tinham de pagar 120 mil réis cada ano. Como houve dificuldades no recrutamento de candidatos, o colégio só abriu em 19 de Março de 1766, e apenas com 24 alunos”.
Treino. A execução de manobras militares com o objectivo do ensino e prática das evoluções constituiu uma das prioridades do conde de Lippe. Em Maio de 1763 determinou que se realizassem no campo da Ajuda exercícios de manobras que se concretizaram de 1 a 7 de Junho e aos quais o Rei D. José I compareceu. Mais tarde, no mesmo ano, de 23 de Novembro até 4 de Dezembro, decorreram novos exercícios no sítio denominado Monte Branco, entre Vila Viçosa e Estremoz.
Também nestes exercícios o poder político, representado pelo rei e o seu primeiro ministro, esteve presente.
IV.2 Processos
Os processos dizem respeito essencialmente às doutrinas. A doutrina militar consiste num conjunto de princípios e métodos aprovados com o objectivo de dar às organizações militares uma concepção comum e uma base uniforme de actuação. A doutrina militar é a base para o treino militar e indirectamente para o comando e controlo.
Na prática a doutrina militar traduzia-se na regulamentação, muitas vezes pormenorizada, de procedimentos técnicos, tácticos e administrativos. Os regulamentos publicados pelo Conde de Lippe traduzem bem o seu empenho na componente “processos”. Assim que a guerra lhe permitiu, o Conde de Lippe voltou a sua atenção para a elaboração de novos manuais. Ainda durante o ano de 1762 publicou as “Instrucçoens geraes relativas a várias partes essenciaes do serviço diário para o exército de S. Magestade Fidelissima, debaixo do mando do ill.mo e ex.mo Sr Conde Reinante de Schaumbourg Lippe, marechal-general dos exercitos do mesmo Senhor, e general em chefe das tropas auxiliares de S. Magestade britanica”. Em 1763 é publicado o “Regulamento para o exercício e disciplina dos regimentos de infantaria dos exércitos de S. Magestade o Conde Reynante de Schaumbourg Lippe, marechal-general”. Com esta publicação foi posta de parte a organização táctica de 1735 e substituída por outra adequada aos princípios militares daquela época, especialmente aos de Frederico o Grande.
Com o objectivo de promover e uniformizar o conhecimento técnico da artilharia foi publicado em 15 de Julho de 1763 o “Plano que S. Majestade manda seguir e observarno estabelecimento, estudos e exercícios das aulas dos regimentos de artilharia”. São mandados adoptar para explicações nas aulas os “manuais técnicos” em voga, todos em língua francesa, sobre as áreas do conhecimento determinantes nesta área, como a matemática, mecanismos de artilharia, composições de fogo de artifício, ciência das minas, engenharia e fortificações, etc..
Em Agosto de 1764 começou a ser distribuído, pelos corpos a que dizia respeito, o “Regulamento para o exercício e disciplina dos regimentos de cavallaria dos exercitos de S. Magestade Fidelissima: por ordem do mesmo Senhor por S. Alteza o Conde Reynante de Schaumbourg Lippe, marechal-general”.
A preocupação de dotar o exército de um corpo doutrinário verdadeiramente orientador é uma das imagens de marca da transformação do Conde de Lippe. Como afirma Rui Bebiano, no que diz respeito, em concreto, aos dois regulamentos para o exercício da disciplina destinados à infantaria e à cavalaria, trata-se de “documentos sem precedentes, em virtude da forma depurada e possuidora de uma intenção vincadamente normativa que apresentam”. Como afirma outro historiador, “cada linha de Lippe – veja-se o cuidado posto no final de cada um dos seus livros em resumir o já dito para os soldados, mas também para memorando dos oficiais – é uma firmação de existência de um saber e de uma civilização intramilitares”.
IV.3 Organização
Depois da campanha de 1762 era necessário reduzir os regimentos para um número aceitável e comportável, em tempo de paz, pelo reino. Para tal, a reorganização do exército de 1ª linha passou a contar com 30 000 homens, compreendendo 25 Regimentos de Infantaria, 10 de cavalaria48, 4 de Artilharia, 1 Regimento da Armada e 1 de Voluntários Reais, o que só vem a sofrer pequenas alterações em Janeiro de 1777. Um outro aspecto relevante de organização verificou-se ao nível dos uniformes.
Foi publicado o primeiro regulamento de uniformes, que, com poucas alterações, durou até ao ano de 1806". Em termos de organização, para o Conde de Lippe “criar um corpo militar, ultrapassando o bando, foi a sua preocupação fundamental”. Só foi possível pela “definição de códigos de hierarquia, patentes e suas funções, cursus honorum e a sua representação exterior através de galões e atributos de comando. Aliava-se a esta preocupação aquela com os fardamentos. Ficava assim criado um corpo alinhado, com uma cabeça no comando, com uma hierarquia interna. A caserna começava a fechar-se às intromissões dos estatutos sociais”.
IV.4 Tecnologia
A restauração de várias fortalezas e a construção do forte da Graça em Elvas completaram o sistema defensivo das fronteiras. É talvez no domínio da artilharia que se dá o maior salto técnico na transformação do Conde de Lippe. “Criou em Portugal a moderna artilharia e lhe deu a importância e graduação de uma arma científica”. Aparecem então consignadas na legislação as habilitações especiais adquiridas nas escolas e comprovadas por exames para o acesso aos postos de oficial. Um dos ramos do serviço militar que igualmente mereceu a atenção do Marechal-general foi o do levantamento de plantas e de cartas militares de várias regiões do país.
Fê-lo com auxilio de engenheiros que trouxe consigo.
IV.5 O fim de uma fase
Do percurso efectuado ao longo das diversas componentes, verifica-se que em todas houve empenho de Lippe, o que leva a concluir sobre a dimensão da transformação empreendida. Contudo, como se referiu na secção II., não basta a definição de um programa ou estratégia de acção, traduzidos em regulamentos, manuais, procedimentos e aculturação, é necessário, acima de tudo a consolidação de todos estes factores.
Em todo o processo de transformação existiu um esforço por parte do Conde de Lippe em comprometer o poder político o que lhe foi facilitado pelo acesso directo ao Conde de Oeiras. Lippe mostrou ter consciência que só assim poderia dar continuidade à reorganização, depois de regressar à sua terra natal. Por isso empenhou-se para que a sua futura ausência não comprometesse a transformação em curso. Após pouco mais de dois anos ter chegado a Portugal e um ano de reformas já em paz com Espanha, o Conde de Lippe regressou ao seu condado, mas antes deixou indicações claras para a consolidação da transformação.
Um Olhar Actual sobre a “Transformação” do Conde de Lippe
Parte 4
III. A acção imediata
D. José I era o rei de Portugal e tinha como seu Primeiro-ministro, Sebastião José de Carvalho e Melo, a quem concedeu o título de Conde de Oeiras em 1759 (mais tarde, em 1769, concederia o título de Marquês de Pombal). Sem ameaças exteriores e com a necessidade interna de diminuir o poder do exército, o governo de D. José descurou completamente o seu aparelho militar. Como refere Fortunato de Almeida, “o Marquês de Pombal, ou por desafecto às instituições militares, ou porque de todo o absorvia o delírio de aniquilar a nobreza e a Companhia de Jesus, não só deixou o exército no mísero estado em que o encontrou, como até reduziu os quadros existentes em 1735.
Tornou-se tão sensível a penúria, que teve dificuldades em reunir tropas que policiassem Lisboa depois do terramoto”
III.1 Antecedentes
Apesar de, desde 1756, deflagrar uma autêntica guerra mundial – a Guerra dos Sete Anos – Portugal manteve-se neutral. Contudo, um recontro naval entre a esquadra inglesa e a francesa em águas territoriais portuguesas com a consequente derrota francesa e a perseguição aos navios franceses até junto dos fortes da cidade de Lagos, serviu de motivo para reclamações da França e a posterior invasão do território nacional por forças espanholas. A Espanha, que também se tinha mantido neutral, inverteu a sua postura após a subida ao trono do anti-britânico Carlos III o que aconteceu depois da morte de Fernando IV, em 1759. Carlos III facilitou uma aliança franco-espanhola materializada no chamado Pacto de Família, assinado em 15 de Agosto de 1761, entre os diferentes países governados por membros da casa Bourbon, que reinavam em França, Espanha, Nápoles e Parma. D. José I recusou-se a aderir ao pacto em virtude da velha aliança luso-britânica, facto que levou à invasão do reino por tropas espanholas.
Portugal estava em paz desde a guerra de sucessão de Espanha (1701-1714). Como salienta Sales “durante uma paz de quarenta e oito anos o exército português tinha sido esquecido, e a sua força não chegava a vinte mil homens mal armados e pior disciplinados”
A questão da impreparação do exército português não dizia respeito só aos efectivos existentes mas também a uma ausência de postura empreendedora militar dos quadros do exército. Tal como refere Fernando Costa, “embora o rei de Portugal tenha uma força terrestre permanente, cuja dimensão não corresponde entretanto à definida pelas suas ordens, não há uma cultura militar nas elites correspondente ao acompanhamento do pensamento e da acção sobre a guerra europeia. A guerra não é uma preocupação”
Para além de que, como o mesmo autor ainda acrescenta, “com efeito, o reino de Portugal permanece na periferia do sistema militar europeu e a cultura bélica ocupa um lugar formal, sobretudo interno, e com fraca ou mesmo nenhuma comunicação externa” Como sintetiza Martins Barrento, “de facto, não havia guerra há muito, os militares desabituaram-se de suportar as armas, os Generais de suportar a disciplina, o Poder Político de suportar o Exército”
Como toda a política externa de Portugal andava à volta da antiga aliança com a Grã-Bretanha, foi a ela que o Conde de Oeiras solicitou ajuda para a defesa do território e organização do exército.
III.2 A escolha de um estrangeiro
O pedido dirigido ao governo da Grã-Bretanha era explícito na necessidade de um “mestre-de-campo-general” para além de uma vasta quantidade de equipamentos e tropa. A escolha desse general ficou ao critério da coroa britânica. Foi na pessoa de Guilherme Schaumburg-Lippe, conde reinante do pequeno condado Schaumburg-Lippe desde os seus vinte e quatro anos, que recaiu a escolha de Jorge II. O Conde de Lippe tinha nessa altura trinta e oito anos e uma carreira militar de elevada reputação. “As razões para este convite encontram-se tanto nas qualidades profissionais de Lippe como na estima de que ele, quase membro da família real inglesa, gozara na Grã-Bretanha”.
A escolha de um estrangeiro para o lugar cimeiro do exército parecia apresentar, a despeito das diferenças evidentes – língua, cultura, religião –, vantagens tanto para a Grã-Bretanha como para a governo português. “Os ingleses talvez tivessem também desejado entregar o comando em Portugal a uma pessoa de outra nacionalidade e, portanto, considerada mais neutra. O conde, por seu lado, viu primeiro as dificuldades que uma tarefa desta envergadura iria implicar. Em duas cartas, uma dirigida ao primeiro-ministro britânico e outra ao embaixador de Portugal em Londres, especificou as suas dúvidas, a saber, a falta de conhecimento sobre Portugal, sua língua e clima, além de ser completamente desconhecido dos portugueses e de não pertencer à religião católica. Alegou igualmente que não queria ausentar-se por muito tempo do seu país”. Somente Lippe parecia relevar as diferenças.
“O Conde de Lippe, que ostenta o seu título de conde reinante de Schaumburg-Lippe e que verá consagrado o seu tratamento por Alteza, ocupará o lugar cimeiro da hierarquia militar e debate os problemas directamente com o Conde de Oeiras, cuja autoridade se encontra plenamente consolidada após o episódio do real ou suposto atentado contra o rei e a espectacular eliminação física de um conjunto de elementos da primeira nobreza como “conspiradores”. Apesar da eliminação de todas as hipóteses de oposição e da colocação de criaturas nos lugares decisivos da administração, existe latente um sentimento de revolta. A contratação de um estrangeiro para dirigente máximo do exército teria a vantagem suplementar de anular quaisquer veleidades que poderiam emergir da ocupação desse lugar se a ele fosse chamado um indivíduo da Fidalguia de Corte”.
O Conde de Lippe chegou a Lisboa em 2 de Julho de 1762 e fez-se acompanhar de vários oficiais alemães entre os quais o príncipe Carlos Luiz Frederico, Duque de Mecklemburg, marechal de campo no Exército Britânico e irmão da rainha inglesa.
É com um exército português longe do estatuto de uma força armada organizada que o Conde de Lippe, reforçado por tropas estrangeiras, vai ter de defender o território português da invasão espanhola.
III.3 A campanha de 1762
O objectivo da análise da campanha de 1762 não é a descrição, nem sequer a análise das manobras tácticas dos contendores, mas sim, tentar identificar o que constituiu a preocupação imediata do Conde de Lippe para transformar um exército praticamente inexistente numa força minimamente credível capaz de dissuadir as intenções do inimigo e concretizar a efectiva defesa da integridade do reino.
Para um homem experiente no campo de batalha e que acompanhava a evolução dos mais modernos exércitos da época, Lippe concentrou o seu primeiro esforço em disciplinar o exército. Fê-lo quer no campo da moral, tentando acabar com uma das maiores fontes de deserção nas praças e de descontentamento nos oficiais – o pagamento a tempo e horas do pré –, quer no campo material, procurando fardar e equipar convenientemente o pessoal.
Ao mesmo tempo que disciplinava internamente o exército, o Conde de Lippe tratava da concepção e integração de todas as forças disponíveis, nacionais e estrangeiras.
Para isso concentrou as tropas anglo-lusas em vários pontos de que podia dispor: cerca de 15 000 homens nas tropas de linha (sensivelmente de iguais proporções entre portugueses e ingleses), constituindo o exército de manobra e cerca de 20 000 homens, auxiliares e ordenanças, que só podiam ser empregues na guarnição das praças e constituíam o exército de guarnição. Criou o estado maior do exército, com o brigadeiro inglês Crawford, chefe do estado maior, no posto de quartel-mestre-general.
De um plano inicial assente na concentração de tropas em expectativa estratégica de modo a poder lançá-las, com oportunidade, no ponto ou pontos ameaçados, o Marechal reinante, depois de se aperceber da manobra do seu opositor, o Marquês de Sarria, adaptou-o oportunamente para uma ofensiva rápida.
O exército de manobra tinha sido organizado em cinco destacamentos para este plano, sendo com eles que Lippe acabou por manobrar para defesa do reino. As coisas não estavam a correr de feição para as tropas anglo-lusas quando uma ordem de Madrid obrigou à suspensão da ofensiva por imposição de novo comandante. O Conde de Aranda iria substituir o Marquês de Sarria. Esta quebra de ímpeto permitiu ao Conde de Lippe rearticular os seus destacamentos, manobrando-os em reacção ao inimigo.
Ambos os exércitos entraram em quartéis de Inverno e, entretanto, em França, a paz de Fontainebleau punha termo à Guerra dos Sete Anos e fazia suspender as operações entre Portugal e Espanha.
O tratado de paz definitivo que assegurou a restituição recíproca dos prisioneiros de guerra e a devolução a Portugal das praças ainda ocupadas pelo inimigo (Chaves e Almeida), só foi assinado em 10 de Fevereiro de 1763, sendo publicado em Lisboa no dia 25 do mês seguinte.
III.4 A génese de uma transformação necessária
A realidade de uma invasão de tropas espanholas a Portugal não deixou dúvidas ao poder político da necessidade de uma transformação do exército. Eram razões de natureza política e estratégica que se constituíam na fonte imediata para transformar o exército. Mais, a natureza concreta da ameaça não conferia tempo para que essa transformação se operasse senão por emulação, com a particularidade de envolver a importação de novas formas de fazer a guerra, não pela imitação de outras organizações militares, mas pela incorporação de capacidades dessas organizações estrangeiras (através do ingresso de oficiais estrangeiros experientes) na estrutura do exército português.
Como se constatou anteriormente, foi ao nível da componente de “pessoas”, no desenvolvimento da sua moral (pela satisfação das necessidades mínimas: vencimentos), e na componente de “organização”, numa organização estratégica do exército anglo-luso que Lippe iniciou essa transformação.
Este esforço imediato de transformação nas componentes “pessoas” e “organização” está espelhado na opinião de Martins Barrento quando este considera que é a dois níveis que se pode identificar o legado imediato do Conde de Lippe na transformação do exército logo a seguir à campanha de 1762:
– primeiro, “apesar de não se ter visto, em 1762, a batalha vitoriosa que glorificou os grandes capitães, o Marechal General (...) conseguiu a defesa do Reino e a paz que se seguiu”;
– segundo, lançou as sementes para a reconstrução de um novo exército pelas suas “determinações sobre a organização, a acção insistente sobre a instrução e a disciplina”.
Talvez não ponderado no longo prazo pelo Conde de Oeiras, a incorporação de um comandante chefe estrangeiro, acompanhado de um lote de oficiais estrangeiros e de uma força anglo-lusa, na qual 50% dos efectivos eram também estrangeiros, poderia constituir-se, per se, numa fonte de transformação ao provocar um confronto entre normas culturais distintas, não só ao nível das elites militares, mas também ao nível do poder político. Este choque foi por demais evidente porque “logo desde o início da campanha, e durante ela, teve o Conde de Lippe contra si estorvando-lhe a acção, não só a má vontade dos vedores como também a da maioria dos generais e oficiais superiores, fidalgos todos eles mais ou menos aparentados entre si”. A razão para o choque era clara, “o conde era um típico militarischer Aufklärer, um militar das luzes, com poucas semelhanças, em termos de formação intelectual e de atitude militar, com a larga maioria dos oficiais portugueses” Naturalmente, “a acção do conde de Lippe tinha pois de encontrar resistência entre uma oficialidade ainda formada de acordo com valores e conhecimentos que, tanto no domínio cultural como no mais especificamente militar, eram os mais tradicionais”.
Parece ser este aspecto de choque entre normas culturais distintas que se pode deduzir quando Martins Barrento, no artigo já diversas vezes citado, destaca ainda outros dois patamares importantes do legado imediato do Conde de Lippe, a saber, “as influências que produziu nas mentalidades e no poder”.
Ao nível das fontes, verifica-se que foram razões de natureza política e estratégica que confrontaram o poder político para a necessidade de transformação. Após uma campanha de sucesso e a integração de uma estrutura organizacional estranha ao Exército Português, foi o confronto de normas culturais que permitiu dar continuidade ao processo de transformação.
Ao nível da operacionalização, a integração de oficiais de outros exércitos materializou a emulação necessária para a implementação de medidas, essencialmente, nas componentes “pessoas” e “organização”.
Um Olhar Actual sobre a “Transformação” do Conde de Lippe
Parte 3
II. A necessidade da transformação
Uma transformação tem a ver com uma mudança sustentada e propositada com o objectivo estratégico de manter uma vantagem competitiva estratégica ou fazer face a uma vantagem apresentada por um novo ou já existente competidor. Uma transformação no âmbito das forças armadas tem a ver com uma mudança militar.
Para Theo Farrell e Terry Terriff uma mudança militar prende-se com uma “mudança de objectivos, estratégias actuais, e/ou a estrutura da organização militar” e que se distinguem de mudanças menores que se prendem com mudanças de métodos e meios (tecnologias e tácticas) que não têm implicações na estrutura e estratégia organizacional.
Os autores esclarecem ainda que é o resultado da mudança que determina o carácter maior ou menor desta. É importante realçar este aspecto porquanto é o produto do processo da mudança que é determinante uma vez que, por si só, a vontade de mudar ainda que definida por uma estratégia clara e bem estruturada, não é condição exclusiva para a sua realização.
Mas o que é que pode levar a uma vontade de se empreender uma mudança militar sustentada?
Farrell e Terriff consideram três as fontes para a mudança militar: as normas culturais, a política e a estratégia, e novas tecnologias.
As normas culturais são crenças intersubjectivas sobre o mundo social e natural que definem os actores, as situações e as possibilidades de acção. Produzem padrões de comportamento persistente ao tornarem-se institucionalizados nas regras e rotinas de uma comunidade. Uma vez institucionalizadas, as normas são aceites como garantidas ou forçadas por sanções poderosas. Por esta razão, os autores consideram a cultura particularmente útil na explicação do porquê de muitas vezes os militares continuarem a agir de
forma incongruente com as circunstâncias estratégicas e operacionais prevalecentes. A literatura actual sugere a existência de dois processos para se processar uma mudança cultural: primeiro, por um processo de mudança planeada que implica a mobilização de ideias e interesses por detrás de novas formas de identidade e comportamentos adequados.
Este processo implica o uso instrumental da cultura pelas elites políticas e militares; segundo, por um processo de choque face ao sistema cultural vigente de tal forma que mina a legitimidade das normas existentes. Uma versão mais objectiva, se é que é possível, do conceito de cultura militar é aquela que a considera como a soma dos valores intelectuais, profissionais e tradicionais do corpo de oficiais (aqui no sentido de oficiais e sargentos). Tal como refere o mesmo autor, a cultura do corpo de oficiais desempenha um papel crucial em como as forças militares se preparam elas próprias para combate e por isso representam um elemento essencial no sucesso de inovações.
Uma outra fonte para a mudança militar, talvez a mais óbvia, é de natureza estratégica, ou seja, a mudança da ameaça à segurança nacional. Muitos académicos consideram que as pressões estratégicas operam através de processos políticos que moldam a mudança militar, ou seja, requerem imperativos estratégicos e intervenção civil.
A introdução de novas tecnologias como fonte para a mudança militar não é encarada de forma linear por académicos. A sua influência oscila entre a ideia do determinismo tecnológico e o conservadorismo militar. No primeiro, a tecnologia apresenta um papel determinante na forma da mudança militar em contraste com um papel inferior no conservadorismo militar.
Um outro aspecto que importa abordar na questão de transformações na área da defesa diz respeito à forma como se pode operacionalizar. Segundo os mesmos autores, Theo Farrell e Terry Terriff, a mudança militar pode ter três formas de concretização: inovação, adaptação e emulação.
A inovação implica o desenvolvimento de novas tecnologias, tácticas, estratégias e estruturas militares. A adaptação envolve o ajuste de métodos e meios já existentes, mas que num conjunto de ajustes múltiplos pode conduzir à inovação. A emulação, envolve a importação de novas formas de fazer a guerra pela imitação de outras organizações militares.
Se uma transformação visa manter uma vantagem competitiva sobre um adversário, através de inovação, adaptação ou emulação, interessa compreender o que se deve inovar, adaptar ou emular. Parece haver consenso que as transformações têm de incidir sobre a tecnologia, doutrina e organização das instituições para que se possa verificar o salto qualitativo nas capacidades (no sentido do que têm de ser capazes de realizar) dessas organizações face às suas adversárias.
Num contexto de defesa, as quatro componentes de uma capacidade são as “pessoas”, os “processos”, a “organização” e a “tecnologia”, as quais podem ser acrescidas de capacidades adicionais como se tratasse de building blocks. Para o Departamento de Defesa dos Estados Unidos estas componentes correspondem à concepção de doutrina, organização, treino, material, liderança e ensino, pessoal e instalações. A relação de correspondência entre as quatro principais componentes e o acréscimo entendido pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos é:
– Pessoas – Pessoal, liderança e ensino e treino;
– Processos – Doutrina;
– Organização – Organização;
– Tecnologia – Material e instalações.
Para John Garstka trata-se de uma estruturação simples que permite destacar as principais dimensões de uma mudança para as forças militares ao mesmo tempo que dá uma perspectiva pela qual se pode reexaminar o passado e desenvolver estratégias para fazer face a desafios decorrentes da implementação de uma transformação militar.
A importância de cada uma destas componentes no processo de transformação depende, naturalmente, das fontes e formas de operacionalização que deram lugar à transformação.
O importante é destacar que dada a natureza complexa das organizações, e as forças armadas são um paradigma nessa matéria, qualquer transformação acarreta alterações, ainda que em dimensões variadas, em todas as componentes.
A sistematização escolhida para a compreensão do processo de mudança pode ser resumida no quadro seguinte que pretende reflectir as três fases que, de forma interdependente, se podem prolongar no tempo. As fontes como iniciadoras de uma necessidade de transformação, a operacionalização como a forma em que a organização se relaciona com as suas congéneres (de inimigos ou aliados) e a implementação, ou seja, a introdução da mudança nas componentes das capacidades da própria organização.
Um Olhar Actual sobre a “Transformação” do Conde de Lippe
Parte 2
I. Introdução
A reorganização do Exército Português levada a cabo pelo Conde de Lippe durante o período de 1762 a 1767 tem merecido por parte de autores portugueses e estrangeiros palavras muito positivas, qualificando-a como um dos pontos altos da história do Exército Português.
Tal como a maior parte das Forças Armadas dos países ocidentais e a própria NATO, também o Exército Português vive um processo de transformação. Por esta razão é de todo o interesse voltar a reler o empreendimento de transformação do Conde de Lippe ao serviço de Portugal, procurando identificar os aspectos positivos e intemporais que poderão, no contexto actual, servir de ensinamentos, ou pelo menos de reflexão à transformação em curso no Exército Português.
O presente artigo tem por objectivo responder à seguinte questão central: numa perspectiva actual, quais os ensinamentos que se poderão tirar da reorganização conduzida pelo Conde Schaumburg-Lippe durante o período de 1762 a 1777?
Para responder a esta questão, procedeu-se em termos metodológicos à caracterização conceptual do que é tido como “transformação”. A caracterização desta “perspectiva actual” sobre a transformação das forças armadas levou-nos a responder a algumas questões, nomeadamente:
– O que se entende por transformação?
– Quais as fontes para a transformação?
Um Olhar Actual sobre a “Transformação” do Conde de Lippe
– Como se pode operacionalizar?
– Quais as áreas de implementação?
Para responder a estas questões socorre-mo-nos de literatura sobre investigação de transformações na área da defesa. Essa literatura reflecte essencialmente os domínios britânicos e dos Estados Unidos da América, sendo maior o destes. Este aspecto não deverá causar espanto já que é este país que mais investe na área da Investigação e Desenvolvimento (I&D) e que, fruto da sua postura de intervenção global está empenhado em manter essa hegemonia. São as respostas a estas questões derivadas que constituem o modelo pelo qual se analisa a reorganização do Conde de Lippe.
Na análise do período histórico em causa, usou-se como únicas fontes primárias o corpo doutrinário aprovado pelo Conde de Lippe. Como fontes secundárias usou-se a incontornável obra de Pereira Sales publicada com o patrocínio da Comissão de História Militar, em 1936, bem como um conjunto de outras obras e artigos publicados com destaque para a “Nova História Militar de Portugal”.
A seguir a esta introdução, o trabalho apresenta cinco secções. Na primeira secção em que se reflecte sobre a necessidade da transformação das forças armadas, faz-se a opção dentro da literatura actual mais significativa, de uma sistematização que permita uma enquadramento conceptual do tema. Nas secções seguintes, III, IV e V analisa-se, por ordem cronológica o que se considerou serem os três momentos de transformação do Conde de Lippe: a acção imediata que decorre do esforço de guerra durante a campanha de 1762; a transformação propriamente dita que diz respeito ao esforço de organização durante o período de 1763-64 e o esforço de continuação, entre 1764-1777 já com o Marechal-general no seu estado germânico mas mantendo uma aturada correspondência, fazendo uma visita a Portugal entre 1767-68. Nestas três secções procura identificar-se as medidas tomadas no âmbito das “pessoas”, “processos”, “organizações” e “tecnologia”.
Na última secção apresentam-se as conclusões nas quais se responde à questão central.
Um Olhar Actual sobre a “Transformação” do Conde de Lippe – Parte 1
Miguel Freire
Major do Exército. Professor de Estratégia no Instituto de Estudos Superiores Militares
Resumo
O presente artigo tem por objectivo responder à questão central: numa perspectiva actual, quais os ensinamentos que se poderão tirar da reorganização conduzida pelo Conde Schaumburg--Lippe durante o período de 1762 a 1777?
A resposta à questão central coloca-se, naturalmente, nos aspectos identificados como responsáveis pelo insucesso da transformação. Assim, os ensinamentos que se podem tirar são:
– A transformação das forças armadas só poderá ser levada a efeito com sucesso sob um
alto patrocínio do poder político. Este tem de compreender a necessidade de mudança,
disponibilizar recursos e acima de tudo acompanhar o processo, salvaguardando as necessárias condições estruturais das forças armadas facilitadoras para a transformação;
– A transformação das forças armadas tem de ser sentida e levada a cabo por toda a hierarquia da organização nomeadamente na sua estrutura superior. Desta deve esperar-se não só a capacidade de percepção das fontes para a mudança, a concepção da sua operacionalização com a consequente implementação em todas as componentes, mas, principalmente, a capacidade de liderar e motivar a hierarquia para esse empreendimento.
OS UNIFORMES DO CONDE LIPPE 1764 – 1806
Foi no início de 1764, que o Conde Lippe (Frederico Guilherme Ernesto, Conde Reinante de Schaumbourg Lippe, Marechal General dos Exércitos de Portugal e Field-Marshal dos Exércitos da Grã-Bretanha), executou uma das suas obras mais importantes, no que diz respeito aos uniformes do Exército. Trata-se da primeira regulamentação sobre fardamentos e que iria durar, com poucas alterações, até ao ano de 1806. Por força do Alvará de 24 de Março de 1764, Lippe regulamentou, finalmente, o uso dos uniformes para o Exército e Marinha, dando-lhes um aspecto igual, por Armas (infantaria, cavalaria, etc.) ou seja o mesmo feitio, sendo os regimentos distinguidos uns dos outros pelas cores das golas, bandas, canhões das mangas, forros, calções e vestias. O Exército do Reino fardaria todo de azul ferrete com excepção para os tambores e pífaros. A Marinha de verde.
No Alvará de 24 de Março de 1764 pode destacar-se, a esse respeito, o seguinte:
CHAPÉUS
"Enquanto eu não tomar resolução sobre a dúvida de ser mais conveniente às minhas tropas o uso de cascos ou barretes, mando, que dos sobreditos três armazéns gerais se forneça a cada, um chapéu cada ano com um topo negro e com cordões que cruzem por fora a copa do chapéu, debaixo de um botão de metal. O botão que ordinariamente se coloca no lado esquerdo da aba do chapéu, será também de metal e o forro de pano de linho de cor preta."(…)
CASACAS, CALÇÕES E VÉSTIAS
"Para as casacas e calções de setecentas e setenta e duas praças dos soldados e oficiais inferiores de cada regimento de infantaria se entregarão a seus devido tempo, dois mil e oitocentos côvados e uma terça de pano azul, à razão de três côvados e duas terças para cada. Para as véstias se entregarão mil cento e cinquenta côvados de pano, à razão de côvado e meio para cada um. Para as divisas, se entregarão duzentos e cinquenta e sete côvados e uma terça, à razão de uma terça para cada farda. Para as dezassete casacas e calções do tambor-mor, tambor e pífaros se entregarão sessenta e oito côvados de pano, à razão de quatro côvados para cada um. E para as véstias se entregarão vinte e cinco côvados e meio de pano, à razão de côvado e meio para cada um."(…)
"Para os forros de setecentas e oitenta e nove casacas, se entregarão três mil quinhentos e cinquenta côvados e meio de serafina, à razão de quatro côvados e meio por cada farda. E para forros das véstias e calções se entregarão dois mil setecentas e uma varas e meia de estopa ou aniagem, à razão de três varas e meia para cada farda."(…)
"Ao mesmo tempo que se entregarem os referidos géneros, serão os mesmos providos de dois calções brancos cada, entregando-se ao comandante duas mil trezentas e sessenta e sete varas dos ditos panos brancos, à razão de uma vara e meia para cada calção."(…)
BOTÕES
"Os botões, que devem ser fornecidos para os sobreditos uniformes, não serão de casquinha, nem de estanho, mas sim de metal duro, chatos e fundidos de modo que os pés deles sejam sempre seguros, formando um anel, pelo qual se possa passar, sem impedimento, um cordão, que os segure a todos juntamente para que possam durar, não só os dois anos que tem por termo o grande fardamento, mas até mudarem de um uniforme vencido para o outro que se seguir, se necessário. Por cada casaca distribuem-se três dúzias de botões, para as véstias e calções duas dúzias."(…)
GRAVATAS
"De linho, sendo umas tintas preto e outras de encarnado, que sejam largas com um dedo de dobra para a parte de dentro, de modo que nelas se possa meter um forro de papelão."(…)
CAMISAS
"De linho"(…)
MEIAS
" De fio dobrado de linho."(…)
POLAINAS
" De brim tintas de negro e a cada par corresponde o fornecimento de duas dúzias de botões de metal, fundidos e passados pelos anéis com cordões de linho."(…)
SAPATOS
"Enquanto eu não resolver do mesmo modo a outra dúvida que é saber se é mais útil ou não ao meu serviço e mais cómodo para os soldados o uso de botinas, ordeno que no principio de cada semestre se forneça, um par de sapatos para cada um e que no fim dos três meses se forneça um par de solas com os seus competentes tacões, sendo isto tudo cortado por bitolas certas."(…)
PENTES
" De matéria que vulgarmente se chama tartaruga do Alentejo, o qual sirva, de uma parte para limpar a cabeça e da outra para concertar o cabelo."(…)
FITA PARA ATAR O CABELO"
Negra de lã, com dois dedos de largura e seis varas de comprimento"(…)
O texto acima publicado é um resumo de onde se retirou o essencial sobre os uniformes em questão. Ao analisarmos os uniformes de 1764 e que foram utilizados até 1806, facilmente se poderá depreender que no espaço de 42 anos houve certamente modificações e tal facto é simples de se poder comprovar, desde que se tenha em atenção o facto de a moda civil ter uma grande influencia na evolução do traje militar; por isso é necessário ter sempre em conta esse domínio. Quando se examina um traje militar de um determinado período ou ano, pode-se constatar que a diferença entre um e outro é mais semelhante do que se pode pensar à primeira vista.
Se tivermos em atenção este facto e a época que estamos a tratar, 1764/1806, temos que verificar quais as alterações mais significativas que houve no trajo civil; para se poder compreender determinado uniforme militar não o basta estudar, tem que se conhecer paralelamente a evolução do traje civil e por vezes o regional. Já Silva Lopes, no seu trabalho Contribuição para o Estudo dos Uniformes Militares Portugueses desde 1664 até 1806, afirmava: "Alterações diversas sofreram os uniformes de 1764 (…) essas alterações teriam resultado mais da moda que de determinações oficiais (…) os chapéus foram mudando de feitio, o corte das casacas foi sofrendo pouco a pouco modificações, os calções transformaram-se em calças."(…) "Quero crer que desde 1801 em diante, tais alterações se acentuaram, mas pouco posso dizer sobre o assunto."(…) e termina afirmando que: "as mais importantes dessas alterações consistiram na união das bandas da casaca e na elevação das golas (…) até 1806 subsistiram as fardas assim modificadas."(…)
Concordo, plenamente, no que Silva Lopes afirma, e basta verificar no período, entre as datas em questão, se passou por várias influências: francesa (antigo regímen), inglesa, novamente francesa (revolução) e novamente inglesa. Os nossos uniformes tinham, como base essencial, influência prussiana (devido, certamente, à acção do Conde Lippe) apesar de ele ter vindo da Grã-bretanha, onde militava.
Se tivermos em consideração que no Alvará vem expresso que: "repartindo-se pelos artífices das terras onde os regimentos tiverem os seus quartéis as ditas fardas ( a sua confecção), de modo que o lucro feitio delas se estenda ao maior número dos ditos obreiros, que for possível"(…), para tal deveriam igualmente servir-se "dos alfaiates que forem mais vizinhos (das respectivas unidades) e hábeis."(…). Estas considerações levam-me a deduzir que, certamente, os uniformes seriam iguais no mesmo regimento e "semelhantes" de uma unidade para as outras, em virtude de que, haveria diferenças, possivelmente de pormenor, de artífice para artificie e de terra para terra onde os respectivos regimentos estavam instalados. Os alfaiates não eram militares, trabalhavam para os seus clientes civis (pobres ou abastados) e pontualmente teriam a "sorte" de confeccionar os fardamentos da unidade da sua terra, conselho ou distrito. Como seria absolutamente natural, embora seguissem os modelos dos livros iluminados (que iremos reproduzir algumas folhas) a influência civil estava muito presente nos fardamentos e conforme esta ia evoluindo, de ano para ano, os uniformes seguiam, de um modo ou de outro, essa "tendência".
No respeitante às coberturas de cabeça passou-se precisamente o mesmo; em 1764 o tricórnio era a cobertura de cabeça por excelência para civis e militares, acairelado, com puxadores, laço, presilha e botão; em 1770 o bico frontal começou a recolher um pouco, durante toda a década de 80 continua a encolher, de tal modo, que em 1790 o tricórnio já quase não se confeccionava, o "bico" anterior não passava praticamente uma pequena "ondulação", ( como exemplo, mais conhecido, podemo-nos reportar à célebre cobertura de cabeça de Napoleão, que curiosamente nunca a abandonou, desde os seus tempos de Alferes de artilharia, embora, esse chapéu, tenha sido um símbolo, estava totalmente "fora de moda" durante o auge da sua vida); em 1800 os bicórneos, ou chapéu de dois bicos, já se tinham imposto, vêem-se de tamanhos diversos, sendo alguns enormes e com as pontas exageradamente grandes, descaídas até aos ombros... É assim moda!
Os nossos uniformes, ou melhor dizendo, os seus utilizadores, principalmente os oficiais seguiram-na bem de perto! Isto já sem nos alongarmos nos chamados "uniformes de capricho" tão em moda, entre a nossa oficialidade da época e tão combatida pelos seus chefes (Lippe, mais tarde Beresford e outros).
Infelizmente, não chegaram até nós muitos livros iluminados ou gravuras da época, para se poder fazer uma análise pormenorizada das diferentes modificações, e os poucos livros existentes são datados de 1777, 1783 e 1791. Daí os tricórnios já não terem o bico tão saliente, como na década de 60 e as anteriores.
Os uniformes apresentados esquematicamente e feitos pelo autor, reportam-se a 1764, mas as alterações até 1806 são mínimas, podendo-se ter verificado mais significativamente nas coberturas de cabeça, como acima foi afirmado.
AS CONDELIPAS E A GUERRA FANTÁSTICA
Em Lagos chamam-se condelipas às conquilhas (um bivalve cada vez mais raro e que se apanha na maré baixa, poucos centímetros enterrado na areia). Esta designação fica a dever-se ao Conde de Lippe. Frederico Guilherme Ernesto de Schaumburg-Lippe e conhecido em Portugal como Conde de Lippe, foi um notável militar e político alemão que esteve ao serviço do Exército Portugês, que reorganizou profundamente e que comandou durante a Guerra Fantástica. Quando em 1761, na sequência do Pacto de Família, Portugal se viu ameaçado por tropas francesas e espanholas, por indicação do governo britânico, Guilherme foi convidado por Sebastião José de Carvalho e Melo, o poderoso ministro marquês do Pombal, para comandar as tropas portuguesas que, com ajuda de forças britânicas, se preparavam para entrar em acção. Guilherme assumiu o comando do Exército Português e o encargo de reorganizador as forças portuguesas e de as preparar para a guerra. Naquele ano a Espanha e a França, unidas pelo Pacto de Família, tinham pretendido que Portugal fechasse os seus portos aos navios ingleses, o que foi recusado pelo governo português. Como consequência desencadeou-se a chamada Guerra Fantástica, uma invasão da fronteira do nordeste português por tropas espanholas que tomaram Miranda, Bragança e Chaves. Em resposta, o exército anglo- português, com cerca 20 000 homens, sob o comando do Conde de Lippe, posicionou-se para defender Lisboa, mas em Novembro daquele ano de 1762 foi assinado um acordo de cessar-fogo antes de ser travada qualquer batalha. Em consequência, o episódio ficou conhecido por Guerra Fantástica porque, apesar se de terem registado sucessivas movimentações de tropas, os recontros limitaram-se a acções de guerrilha conduzidas pelas milícias locais. O Conde de Lippe, quando esteve, depois, em Lagos comandando o regimento desta praça, sendo profundo apreciador de conquilhas, incluía-as amiúde no rancho dos soldados, daí subsistir localmente, em sua memória, o termo “condelipa” que designa os tão famosos bivalves.
Guilherme, nascido Frederico Guilherme Ernesto de Lippe-Schaumbur-Bückeburg (Londres, 1724 — Wölpinghausen, 1777), conhecido em Portugal como o Conde de Lippe em virtude de ser Conde reinante de Schaumburg-Lippe, foi um notável militar britânico de origem alemã do séc. XVIII.
Guilherme começou a sua vida militar nas Guardas Inglesas, de onde passou para a Marinha, tomando parte na campanha de 1745 contra os Turcos. Em 1762 o governo inglês envia-o a Portugal. Neste ano a Espanha e a França, unidas pelo Pacto de Família, tinham pretendido que Portugal fechasse os seus portos aos navios ingleses, o que foi recusado pelo governo português e teve como consequência a chamada Guerra Fantástica, invasão da fronteira do Noroeste por tropas espanholas que tomaram Miranda, Bragança e Chaves. O exército português, abandonado deste a doença de D. João V, não tinha oficiais preparados para a guerra — o fardamento, soldados e armas eram praticamente inexistentes. O conde de Lippe e alguns oficiais ingleses e alemães tentaram organizar um exército resistente. As rendições precipitadas de muitas praças, o número de desertores e a demora no cumprimento das ordens, de que se teria queixado o ajudante-general Böhm, impressionaram o conde. Este, tomando conhecimento do pequeno valor militar das suas tropas, limitou-se a uma guerra de posições, procurando impedir que o exército espanhol penetrasse em Portugal. A Espanha, segundo escritores coevos, não se empenhou grandemente nesta luta que só foi activa na América do Sul. Acabada a guerra, o conde de Lippe continuou a tentar organizar o exército português que lhe fora confiado.
Assim, em 1764, realizou uma viagem de inspecção às regiões fronteiriças, mandando reparar as fortificações existentes e ordenando a construção de algumas novas. Dois anos depois regressa ao seu país, não devendo ter recebido o ordenado que fora fixado em 3000 libras anuais. Regressa três anos depois e volta a percorrer o país certificando-se do efeito das suas reformas; durante a sua estadia realizaram-se grandes manobras de conjunto de 20 regimentos. Continuou a lutar pelo melhoramento do exército português, mas o governo do Marquês de Pombal ignorou-o.
Vinte anos após a sua morte, o governo português compra os seus manuscritos referentes à defesa de Portugal; todos, ou a maior parte, foram levados para o Brasil com a invasão francesa em 1807. Em sua homenagem, entre outros foi dado o seu nome ao Forte de Lippe em Elvas e a um dos mais notáveis regimentos do Exército Português, o actual Regimento de Infantaria Nº 1.
O Forte de Nossa Senhora da Graça localiza-se a cerca de um quilómetro a Norte da cidade de Elvas, em posição dominante sobre uma elevação rochosa - o Monte da Graça, Portugal.
Escavada na rocha, onde uma cisterna é uma de suas obras mais notáveis, este forte ergue-se no local onde anteriormente existia um Fortim que em mãos espanholas muito custou a Elvas durante a Guerra de Restauração. As novas obras de defesa iniciam-se em 1763, no reinado de D. José (1750-77), para serem terminadas 1792, sob o de Dona Maria I (1777-1816), inauguradas com o nome de Fortaleza Conde de Lippe, que havia proposto a sua construção.
A estrutura é composta por quatro baluartes, num quadrado de 150m de lado. Quatro pequenos revelins cobrem as cortinas, que dispõem de poternas. Um hornavaque com seu revelim e poterna, e um fosso seco, largo e profundo, completam as obras exteriores, onde se destaca a entrada principal: a Porta do Dragão, bela e imponente na sua solidez. O corpo central da praça apresenta um reduto de planta circular, elevado, com dois pavimentos e parapeito, abrindo canhoneiras para três ordens de baterias em casamatas. Sobre o reduto, como sua lanterna central, uma torre circular com dois pavimentos abobadados: o primeiro constituindo-se por uma capela decorada, e o segundo, a residência do governador. Abaixo da capela, escavada na rocha, a cisterna de água.
Resistiu às tropas espanholas em 1801 durante a chamada "Guerra das Laranjas" e em 1811 às tropas napoleónicas do general Soult, que a bombardeiam, não chegando a tomá-la. Actualmente encontra-se conservada em excelente estado." "O Forte da Graça foi mandado construir por D. José I, no monte onde se encontrava a antiga capela de Nossa Senhora da Graça. O monte da Graça é um dos pontos mais altos da região, constituindo portanto um local de grande importância estratégica.
Durante o cerco de Elvas (1658-1659), no contexto da Guerra da Restauração, o exército espanhol tomou o local e nele instalou uma posição de artilharia, a partir da qual atacou severamente a cidade. A situação repetiu-se em 1762, durante a Guerra dos Sete Anos (1756-1763), quando Elvas foi novamente sitiada. Finalmente, e logo em 1763, D. José I determinou a construção de uma fortaleza que permitisse completar o circuito defensivo da cidade. Do seu planeamento foi encarregado o Marechal Wilhelm von Schaumburg-Lippe, mais conhecido como Conde de Lippe, que viera de Inglaterra no ano anterior, para dirigir a defesa do reino. A ermida de Santa Maria da Graça foi destruída, tendo a imagem da Virgem que guardava transitado para a capela do forte, donde veio a desaparecer mais tarde com as invasões francesas. A obra foi muito exigente para a região, tendo nela trabalhado 3 a 4 mil homens, entre 1763 e 1792.
O forte ficou de imediato conhecido como Forte de Lippe, e mais tarde, em 1777, por ordem de D. Maria I, por Forte de Nossa Senhora da Graça. A edificação resistiu ao ataque das tropas espanholas durante a Guerra das Laranjas (1801), e ao bombardeamento infligido pelas tropas francesas do general Soult, no contexto da Guerra Peninsular (1811).
O forte é uma obra-prima da arquitectura militar europeia do século XVIII, tanto pela originalidade das soluções aí apresentadas, como pela sua monumentalidade. É constituído por três linhas de defesa. A obra mais exterior consta de um caminho coberto, defendido por canhoeiras, um hornaveque (do alemão hornwerk), composto por dois meios-baluartes ligados por uma cortina, e por um fosso seco, com 10 metros de largo. Segue-se uma estrutura quadrangular com 150 m de lado, com quatro baluartes nos vértices. Os panos de muralha, ou cortinas, são cobertos por revelins e rasgados pela porta principal, denominada Porta do Dragão, a Sul, e por "portas posteriores" ou poternas, protegidas por canhoeiras.
Entre as cortinas e o segundo fosso desenvolvem-se inúmeras dependências, incluindo casernas e outras edificações. O reduto propriamente dito é uma torre de planta octogonal, com pisos abobadados, constando de capela no piso térreo e Casa do Governador nos pisos nobres. Por baixo da capela existe uma notável cisterna. O reduto é defendido por três ordens de baterias em casamatas, com canhoneiras. O forte encontra-se bem conservado, servindo ainda como base militar". Monumento Nacional: Decreto 16-06-1910, DG 136, de 23-06-1910
FORTE DE LIPPE III
M. Valleré teve a satisfação de ouvir a el-rei D. José as mais graciosas palavras de aprovação, quando em Setembro de 1769 foi pessoalmente visitar o Forte de Lippe.
Também visitou esta fortaleza o príncipe de Waldeck, reputado como um dos mais esclarecidos apreciadores de semelhantes construções; e não só a achou admirável, mas não duvidou conceitua-la, segundo Link afirma , como uma obra-prima de arquitectura militar, superior a tudo quanto ele tinha visto neste género.
Visitaram o Forte de Lippe os engenheiros franceses, empregados no serviço de Inglaterra, que acompanharam o general Stewart na inspecção das fortalezas, e reconhecimento das fronteiras de Portugal.
Visitou o Forte de Lippe o célebre Maturana, brigadeiro espanhol, chefe do corpo de engenheiros em Sevilha, considerado pelos seus compatriotas como um oficial distintíssimo.
Achava-se em Badajoz, no fim do ano de 1808, quando os franceses evacuaram o Forte de Lippe. Aproveitou o ensejo de ver aquela fortaleza, que excitou sempre a curiosidade e o ciúme dos nossos vizinhos, e cuja entrada, fora até essa época vedada a todos os estrangeiros , que não estivessem ao serviço de Portugal.
Parou embevecido na contemplação deste soberbo monumento; causou-lhe tamanha admiração esta obra prima de arquitectura militar (quase que também se pode dizer obra-prima de arquitectura civil pela beleza da casa do governador), que o achou muito próprio para nele se estabelecer uma escola, onde os jovens engenheiros, depois de imbuídos nos conhecimentos teóricos, viessem adquirir os práticos; por se achar ali reunido tudo quanto havia de mais notável em fortificação, e até muitas obras, que não eram conhecidas em sistema algum, e que concorriam para que se reputasse quase inconquistavel.
Folgaríamos, que fosse adoptado o alvitre do sábio general; se fosse, não aumentariam, por ventura, as ruínas de algumas dependências do Forte de Lippe, que já eram grandes quando o visitámos. Afirmou-nos pessoa competente, que os reparos já então indispensáveis importavam em algumas dezenas de contos de réis.
A senhora D. Maria I, mais piedosa do que agradecida aos relevantes serviços do conde de Lippe, esbulhou este general da posse, em que esteve por muitos anos, da bem merecida gloria de haver dado o seu nome a este celebre monumento.
Pouco depois de haver subido ao trono ordenou, que o forte de Lippe se denominasse de Nossa Senhora da Graça, por haver existido naquele sitio com esta invocação uma ermidinha.
É certo, porém, que no povo de Elvas, e no Alentejo, onde esta fortaleza é mais conhecida, tem permanecido a denominação primitiva, reservando-se a prescrita pela rainha para a correspondência oficial entre as repartições do Estado e o governador do Forte.
F. A. Rodrigues de Gusmão.
FORTE DE LIPPE II
Aproveitaram-se os primeiros momentos depois da paz em criar um verdadeiro exercito.
O conde de Lippe emendou radicalmente os defeitos da nossa antiga táctica; mudou inteiramente a nossa constituição militar, adoptando os princípios da constituição prussiana, cujo regulamento resumido nos foi dado por lei e norma; melhorou consideravelmente a nossa artilharia, e lançou também as suas vistas sobre as nossas praças de guerra.
De todos os projectos militares deste ilustre general, que entre nós chegaram a realizar-se, um dos mais dignos de seus vastos conhecimentos na arte da guerra, e mais permanente pela sua natureza, e aquele a que a nação agradecia devia, por consequência vincular o seu nome, como efectivamente vinculou, foi o forte de Lippe.
Esta fortaleza, destinada a fazer respeitável a praça de Elvas, a mais importante da província do Alentejo pela sua posição, e que sem ela seria absolutamente ineficaz para a defesa da mesma província, foi projectada por sua alteza , e a construção confiada a M. Etienne, oficial de mui distinto merecimento.
Necessitou, porém, o conde que M. Etienne lhe fosse dirigir em Alemanha a construção da fortaleza de Wilhelmstein, e para o substituir na do Forte de Lippe escolheu M.Valleré.
Era este oficial sem a mínima duvida, o mais capaz de encarregar-se desta comissão importante; e, em verdade, não só continuou a construir o Forte de Lippe, segundo os planos aprovados pelo príncipe, mas fez-lhe diversos aditamentos, que concorreram para tornar aquela fortaleza muito mais apta para o fim a que era destinada.
Quiséramos descrever estes aditamentos, que são os que mais louvam e admiram os inteligentes, e particularizar todas as belezas desta obra prima de arquitectura militar, falecem-nos, porem, as habilitações para o fazermos condignamente.
O que nos deu mais nos olhos, quando visitámos esta famosa cidadela em Junho de 1856 , foi o seu reduto acastelado, que M. Valleré colocou no centro do Forte, e construindo nele armazéns para munições de boca e de guerra; a cisterna, que fornece agua com abundância, por seis meses, a uma guarnição de seis mil homens; a igreja, cujas tribunas também são feitas para nela se pôr artilheira, que defenda as quatro portas, que para ela dão entrada; e sobre estes edifícios a casa do governador, singular pela sua bem entendida arquitectura, e pelo gosto e riqueza dos estuques, que adornam o seu interior.
Do cabedal que se dependeu com esta obra magnifica, nos deixou miúda informação a douta filha de quem a dirigiu, D. Maria Luiza de Valleré, em uma das suas notas ao Elogio Histórico de seu ilustre pai, o tenente general Guilherme Luiz António de Valleré, escrito pelo saibo académico Francisco de Borja Garção Stockler.
Começou a construção em Julho de 1763; até principio de 1777 custou 734,890,174 réis; desde o ano de 1778 até ao de 1792 custou 32,308,865 réis: total 767,199,039 réis.
FORTE DE LIPPE I
Corria o ano de 1764, a 15 de Agosto celebrou-se entre o rei cristianíssimo e o rei católico o Pacto de Família, a que el-rei D. José não quis aderir.
Permanecendo fiel á aliança inglesa, correu todos os riscos da guerra, que no ano seguinte declararam a Portugal a França e a Espanha.
Mal preparados estávamos nós então para resistir a tão formidáveis inimigos. Não tínhamos exército; as praças achavam-se demolidas, os arsenais desprovidos; quarenta e oito anos se paz haviam-nos amortecido os antigos brios, e, quando os despertasse o patriotismo, carecíamos de quem os soubesse aproveitar a dirigir.
Começou a campanha de 1762 debaixo da direcção do conde de Oriolla barão de Alvito; por intervenção, porem, de Jorge II, de Inglaterra, encarregou-se de comandar os exércitos aliados, português e inglês, o conde Guilherme de Schaumburg Lippe, sendo elevado a field-marechal do inglês, e a marechal general do português.
Compunham-se os exércitos de nove mil homens de tropas nacionais pouco disciplinadas, e de seis mil ingleses que obedeciam de mau grado. E tinham em frente quarenta mil espanhóis comandados pelo conde de Aranda, com oficiais experimentados nas guerras de Itália, alem de um corpo auxiliar de dose batalhões franceses ás ordens do príncipe de Beauvau.
Com tal desproporção de forças era indispensável, que a estratégia suprisse a deficiência das portuguesas e inglesas.
O marechal general conde de Lippe achou o teatro da guerra já estabelecido na província da Beira; viu-se, por isso, obrigado a cogitar não de um plano geral de defesa, ou de uma primitiva disposição militar de nossas forças, que, influindo sobre determinação das primeiras operações do inimigo, nos facilitasse a possibilidade de correr prontamente a atalhar o seu progresso por qualquer parte, por onde pertencesse invadir-nos, mas sim de um plano mais próprio para impedir, que ele chegasse a efectuar a conquista do reino pelo caminho que tinha escolhido.
E foram tão sabiamente combinadas as suas operações, que não só atalhou o progresso do inimigo, com Maior dano seu do que nosso , mas até o obrigou a desistir do seu começado ataque, e a evacuar a Maior parte da província, e a variar o seu projecto de conquista.
Tu, pequeno Mação, foste a barreira,
Onde confuso, com eterna injuria,
Da arrogante carreira
O hispânico leão quebrou a fúria.
Por modo tão feliz como inesperado terminou este ano a campanha, assinando-se a 10 de Fevereiro do seguinte, o tratado de paz, entre França, Portugal e Espanha.
Blogs de Elvas